Capítulo 3 - As certezas de Catarine



          Tive de aguentar o tormento da ressaca sozinho durante horas. Jonatham e Catarine, meus queridos amigos e anfitriões, costumavam dormir inabalavelmente durante quase dez horas cada vez que se embebedavam. Claro que não haviam bebido sequer um terço do que eu bebera na noite anterior, mas fora uma noite radicalmente agitada para todos. Eu só tivera um sono tão breve por conta da agonizante dor nos múltiplos ferimentos avermelhados que enfeitavam a fantasmagoria branca do meu corpo. Persisti em procurar, na inconstância dos pensamentos que perambulavam pela minha mente, respostas e/ou soluções para a conturbada situação na qual eu me encontrava.
            Mais uma vez me lembrei da conversa de altos sussurros que o casal do quarto ao lado tivera no arrastado fim da madrugada que recém passara. Quase consegui visualizar a expressão de triste compaixão estampada no rosto italiano de Jonatham ao ouvir a namorada, com razão, julgando meu modo de ser - "Você não pode continuar cuidando daquele idiota para sempre, Jonatham. Ele já tem 20 anos e precisa começar a lidar com os próprios problemas sozinho. Mas ele é maluco. Não é possível você socorrê-lo sempre que ele fizer alguma besteira inconsequente ou quase se matar" - ela disse. Aquelas palavras cravaram-se com estrondosa força na minha mente confusa.
            Catarine não dizia esse tipo de coisa por não gostar de mim. Muito pelo contrário. Ela sempre fora sensata, porém pessimista demais. E também me amava, ao seu próprio jeito. Estava sendo simplesmente racional, ao contrário do namorado, que crescera como meu melhor amigo e sempre tendia por deixar-se levar pelos sentimentos invés da razão. Entretanto, ele já sabia de tudo aquilo - do inconsequente descontrole que me levava gradativamente até a autodestruição.
             As palavras de Catarine, no entanto, me atingiam com força ainda maior pelo fato de nós dois, eu e ela, termos um passado marcado pela confusão do amor juvenil. Foi antes dela namorar o meu bom camarada, claro.
            Conheci Caterine em um parque. Eu estava bêbado e ela também. Nossos grupos de amigos em comum misturaram-se por acaso, naquela ocasião. Achei-a uma moça linda, empoleirando sua baixa estatura em saltos médios. Os longos cabelos ruivos tinham a mesma cor das que pintavam o delicado rosto branco. "She had orange rivers in her her". Conversamos sobre os mais variados assuntos e demos boas risadas. A paixão refletia nos nossos olhos claros como o dia ensolarado que se estampava na paisagem local. Mas, por um motivo indescritível, não deu certo. Era um tipo diferente de paixão. Uma amizade singular.
           No primeiro instante que presenciei Jonatham trocar olhares com aquela apaixonante ruiva de um metro e cinquenta de altura (mas que parecia se agigantar devido a marcante presença), senti que a real paixão era a que eles instantaneamente refletiram um para o outro. Depois, o tempo seguiu seu ritmo natural para os dois e cambaleou para mim. Passaram-se três anos e eles ainda estavam juntos, enquanto eu já havia perdido as contas de quantas mulheres das mais variadas aparências e personalidades possíveis e impossíveis de se imaginar, passaram pela minha vida.

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