Dias ruins (conto)



          Há aqueles bêbados que exalam o cheiro de bêbados até em seus densos dias de sobriedade. Dias de enjoo. Tudo impregnado. Suor que tem cheiro de uva podre; hálito que cheira à cana; os dedos que cheiram à cigarros baratos e fedorentos; suas lágrimas cheiram à solidão - ou, pode-se dizer, à sobriedade na hora errada. Péssimos dias.

          Aqueles dias em que não se têm néctar. Nada para escorrer pelos seus lábios ressecados e sujos, para cair acidentalmente num chão mais sujo e fedorento ainda. Muito mais.

          Eles cambaleiam repetidamente até acostumarem-se novamente... Até reaprenderem a andar. O desconforto é pior que aquele que é fruto das ressacas de segunda-feira, ou de sábado de manhã, ou das quartas-feiras. Nem o jato é igual. Não parece bonito. A ardência interna agora se deve apenas aos seus modos de matar as pessoas lentamente com seus olhares.

          O mundo se retorce triste, e a felicidade só virá , quem sabe, para aqueles bêbados em dias ruins, quando o sol se pôr e a noite os encher de esperança. Triunfante esperança.

          Seus amigos são diferentes nos dias de tortura. A falsa felicidade parece muito mais bela. Todos parecem mais maquiavélicos, e loucos para que seus egos encham-se mais e mais. Se puderem, arrancariam os olhos dos pobres-coitados. Os velhos amigos não acompanham nenhum dos bêbados nesses tais dias. Os abstinentes tornam-se seus próprios melhores amigos novamente. O copo, afinal, não está lá desta vez.

           Os niqueis nos bolsos costumam ser, nessas horas, os maiores ânimos. Assim que as noites chegam, enfim, grande como deusas. As putas saem remexendo suas melhores partes. Elas são imponentes, porém vulneráveis. Seus rostos combinam com os dos bêbados em questão. Os pubs enchem-se aos poucos. Lotam, ou quase. Alguns dos que sentam por estes pubs são menos piores que seus companheiros de bebedeira. Pleonasmo e eufemismo combinados. Tudo começa novamente.

          Os recomeços, assim como todo o resto, costumam ser bem semelhantes. Estes bêbados fazedores de bicos e mamadores de fermentados de qualidades questionáveis, encostam-se naquelas cadeiras que só ficam confortáveis depois de pelo menos uma hora, conversam com um garçom (ou barman, se tiveres frescuras no vocabulário), e enchem-no de histórias tolas. Há, apesar de tudo, apenas dois tipos de garçons atendendo em bares decadentes e esfumaçados, onde os beberrões pagadores de níquel escondem-se nas noites: os que também são bêbados, só que com um pouco menos voracidade ao matar-se aos poucos... E os que são nada além de caras que perceberam que o mundo está cheio dessas pessoas que vivem às margens das outras, e que gostam disso. Esses caras, então, aguentam os papos cheios de mentiras fedidas dos bêbados, assim como o cheio de vômito, urina  e fumaça impregnados em tudo. Geralmente o segundo tipo acaba apanhando cedo ou tarde. Todos apanham cedo ou tarde. Só preciso um dia ruim para perder-se a linha.

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