Moça dos cabelos louros. (conto)



          Então a descrevi pela primeira vez. Não sabia o quão mecânico, inumano aquilo já havia se tornado para mim. Quero dizer, descrever alguém, é assim como biografar alguém, diferente de descrever um objeto, é óbvio, descrever alguém é dar ênfase no que define aquela pessoa, ao olhar do descritor, alguém real, um ser humano crível para quem o descreve. Mas eu já faço isso tão mecanicamente que assusto-me comigo mesmo.

          Ela, claro que eu vira algo nela que me interessara - senão não perderia meu tempo descrevendo-a -, mas ainda tento me dizer o que exatamente me levou a guardá-la na minha memória que vem sobrecarregada por uma enxurrada de informações de diferentes e duvidosas classificações. Vendo o jeito como se portava, seu olhar, não pude evitar de mais tarde repetir o meu atual texto descritivo em meu caderno de rabiscos, essas coisas clichês que os escritores em geral costumam fazer para se exercitar.

          A ingenuidade mascarada é a principal diferença que tenho com ela, e isto, assim como a atitude despojada e preguiçosa encenada apenas para me impressionar, e a admiração pelos meus talentos que por lhe foram vislumbrados, me faz (assim como qualquer cinéfilo assíduo) associá-la sempre com aquele filme do Kubrick, da jovenzinha visivelmente petulante, mas de adorável semblante, que inevitavelmente encanta de modo gentil e bondoso. Os olhos cheios, atentos, tirados de qualquer arte oriental juvenil contemporânea, parecendo realmente pintados com tinta extraída da natureza - você sabe como, espero. A cor castanha, que se olhada de determinados ângulos, lembra chamas refletidas num profundo lago, durante uma noite de ventos agradáveis e nostálgicos.

          Sua fala ecoa, mesmo que a voz seja tão comum que não a distinguiria no meio de um festival com vozes ressoando por todos os cantos da acústica aberta. Ecoa com seus assuntos superficiais, que momentaneamente não me incomoda - oposto do cotidiano. Mesmo que não trocasse palavras com ela, já imagino suas ideias ainda sem muita preocupação e cerimônia ao serem alçadas, saltando de sua boca quase adulta, porém ainda pequena, mascarada de gloss avermelhado, causando reboliços que não consigo ao certo definir. As ideias tranquilizantes e agradáveis de descrever, assim como sua dona, a moça de cabelos louros.          


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