Medo da loucura (conto)



          A mente humana é uma das armas mais perigosas de que se tem conhecimento. O ser humano possui em seu cérebro mecanismos totalmente imprevisíveis. Quando confiados e embasados acham que conseguem descrever perfeitamente ações cerebrais, a realidade improvável lhes mostra algum deprimente caso raro. Mas a mente humana por si só já é caso raro - todas, individualmente. Os mencionados "mecanismos" não são denominados assim por quem vos escreve por acaso, pois tudo em nossa mente funciona mecanicamente. O problema é pensar que a resistência desse mecanismo não é lá muito alta. A linha que separa a sanidade da loucura é, de fato, minúscula.

          Meu nome é Owen, e eu sou funcionário do departamento de trânsito municipal. Passo o meu dia inteiro registrando dados de relatórios, no setor de penalidades. Você, que lê o fruto do meu solitário hobbie , imagina quantos números de processo, quanto endereços e quantas infrações eu leio e redigito por semana? Em certos momentos, eu olho para o escritório e vejo tudo aquilo como um mundo diferente. Não, não é uma metáfora. Minha casa, meus amigos, meus bares favoritos... Aquele lugar, aquele escritório com decoração retrô e cheiro de arquivos velhos roídos por traças não parece pertencer ao meu mundo. Olho para os arquivos que acabei de digitar e os releio: tudo tão automático que simplesmente esqueci que tinha feito há alguns minutos atrás. Situação que ocorre todos os dias, como se eu saísse do meu corpo e voltasse. Como se minha mente quisesse me avisar que vou perder o controle.

          Sim, o meu maior medo é enlouquecer. Para quem posso confessar isso? Nem mesmo para o meu ex-terapeuta eu confessei. Ele não era lá um grande terapeuta. Aliás, os terapeutas são todos loucos que não demonstram suas respectivas loucuras - e, o meu medo é que eu seja desse tipo também - afinal, um terapeuta louco precisa consultar outro terapeuta louco, para saber se não está louco. Nas sessões em que eu costumava ter, eu o enchia com meus papos cheios de um falso ego inflado, que mascarava uma pessoa solitária, que mal esperava para voltar para a casa, servir-se de wiskhy barato e escrever algo no qual somente ele mesmo lerá. Assim eu era. Assim eu sou. Mas como você já sabe, eu, Owen, de 23 anos, não estou ficando louco. Ou estou? Ou todos estamos?

          Eu li que apenas um dia ruim pode romper a teia delicada que sustenta a sanidade e o autocontrole de um homem.   Também ouvi uma boa música onde o vocal suplicava para que as pessoas contassem para ele se ele estava tornando-se insano, visto que sua capacidade de auto-avaliação estava deteriorada. Temo que a minha também esteja.

           Os flashbacks. Alguns calafrios. Por que eu fora tão idiota há tempos atrás? A solidão pode ser confundida em loucura, assim pode transformar-se nesta, ou também  ser confundida com tal. A paranoia é interessante. Quando estou sozinho, por vezes fico com um estranho medo, uma estranha sensação de não estar sozinho. E mesmo sabendo que aquilo não é verdade, eu não deixo de continuar com esse maldito pensamento até o fim da noite. Mas não se engane, não sou paranoico. Até pelo fato de todos nós termos medos. O meu maior, além de todos, é o de ser mesmo louco.

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